Novas diretrizes indicam caminhos para equilibrar a quantidade e a qualidade das horas que os pequenos passam diante de tablets, celulares e companhia.
Se até pouco tempo atrás os pais penavam para encontrar a dose ideal de televisão e videogame na vida das crianças, hoje eles ainda precisam incluir tablet, celular e computador na mesa de negociações.
Definitivamente é impossível imaginar uma infância livre da influência dos equipamentos eletrônicos. Por isso, os limites recomendados de utilização dessas tecnologias não param de ser revistos, bem como a maneira com que os pequenos deveriam interagir com as telas.
Em outubro deste ano, a Academia Americana de Pediatria lançou um documento que afrouxa um pouco algumas de suas antigas orientações. O primeiro contato com o universo digital, por exemplo, que antes só deveria ocorrer após os 2 anos de idade, agora está permitido a partir dos 18 meses, desde que com supervisão e participação ativa dos pais.
Já para os mini-internautas entre 2 e 5 anos, a tolerância caiu para apenas uma hora ao dia – antigamente eram duas. Depois, indica-se que a frequência seja personalizada. “Essa é uma questão de saúde pública, uma vez que as crianças estão cada vez mais expostas às telas. E isso em um momento crucial para o desenvolvimento de habilidades que serão importantes por toda a vida”, alerta a neuropediatra Liubiana Arantes Regazoni, da Sociedade Brasileira de Pediatria(SBP).
A entidade lançou em novembro último o seu próprio guia, intitulado Manual de Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital. A publicação segue, em grande parte, os posicionamentos da associação dos Estados Unidos, mas é um pouco mais rígida em relação aos que ainda usam fraldas.
“O ideal é que o contato com eletrônicos não aconteça antes dos 2 anos, sobretudo nas duas horas que antecedem o sono e durante as refeições”, completa Liubiana, que preside o Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP.
Apesar de liberarem com restrições a utilização de telas nessa faixa etária, os pediatras americanos, assim como os brasileiros, enxergam poucos benefícios no hábito. “Os riscos são maiores do que as vantagens educacionais”, afirma a pediatra Jenny Radeski, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e uma das envolvidas na elaboração das diretrizes de lá.
“Até os 2 anos e meio, os bebês não conseguem transferir o que veem na tela para a realidade. Portanto, precisam ser ensinados sobre o que estão assistindo para que associem a experiências reais”, explica a pesquisadora. “É assim que o conhecimento se fixa.”
Isso vale para todas as fases, mas, principalmente entre o primeiro e o segundo aniversário, o cérebro necessita de boas doses do mundo à sua volta para que se estruture como o esperado. “É um período em que, por causa dos estímulos recebidos do ambiente externo, aumentam as sinapses, ou seja, as conexões entre os neurônios”, explica Telma Pantano, fonoaudióloga e psicopedagoga da Universidade de São Paulo (USP).
Os tais incentivos, que podem ser palavras, toques, brinquedos, músicas ou livros, servem como uma espécie de asfalto para a construção dessas pontes cerebrais, que conectam novas áreas na mente em amadurecimento, como a formação da personalidade e o aperfeiçoamento da linguagem.
O tempo que o pequeno passa sozinho, de cara na tela, não ajuda em nada disso. Pelo contrário. “Ele dificulta o desenvolvimento da empatia e do autocontrole e a capacidade de lidar com relacionamentos”, diz o neuropediatra Erasmo Casella, do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.
Então, para garantir que o dispositivo não transforme a criança numa ilha, os especialistas consideram imprescindível, nos primeiros anos de vida, que os pais desbravem com ela os conteúdos oferecidos na tela e na rede.
Os impactos negativos do exagero não ficam restritos aos aspectos comportamentais e emocionais. Tem também a ameaça do sedentarismo. Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) avaliou os hábitos de 21 voluntários com idade entre 8 e 12 anos e constatou que 14 deles não praticavam nenhuma atividade física.
“Quando perguntamos o que gostavam de fazer no final de semana, a maioria respondeu brincar com jogos eletrônicos, o que já acontecia nos outros dias”, revela a pedagoga Ana Lúcia Meneghel, autora do trabalho. E você sabe: essa moleza é um convite à obesidade.
Para que o corpo e a cabeça da meninada valham por mil processadores, os especialistas dizem em uníssono: brincar é essencial. “Os desafios trazidos pela brincadeira formam estruturas cerebrais ligadas à inteligência matemática e à noção de espaço, por exemplo”, justifica Ana. Para isso, é preciso olhar em volta, segurar objetos, movimentar-se… No estudo, as crianças que eram mais fãs dos aparelhos tiveram mau desempenho quando testadas essas habilidades.
Na sala de aula a história também desanda. “A luz emitida pelo visor reduz a produção de melatonina, hormônio indutor do sono”, observa Liubiana. Sem a substância, fica difícil adormecer e há maior risco de despertares na madrugada. “O sono de má qualidade interfere na concretização de memórias e do aprendizado do dia”, aponta a neuropediatra.
Fora que, após uma noite tumultuada, quem consegue prestar atenção na lição? Há mais por trás do dever de casa incompleto. “Um game que dá pontos, por exemplo, libera no cérebro muita dopamina, substância ligada ao prazer”, detalha Casella. A princípio, isso não parece ruim, certo? “A questão é que esse processo não ocorre de forma tão intensa em outras ocasiões, como na escola. Daí a criança pode achar os estudos entediantes”, problematiza.
Para tornar essa realidade menos tecnológica (e maléfica), não dá para esperar que os menores resolvam se desapegar dos aparelhos. Os adultos precisam dar o exemplo. “Inclusive pesquisas sugerem que há menos conexão emocional e até mais conflitos se os progenitores ficam totalmente absortos nos seus smartphones”, destaca Jenny.
Portanto, o uso saudável não vale somente para os baixinhos. “Famílias que ficam só assistindo à TV ou cada um com seu celular enfraquecem seus vínculos”, reforça a psicóloga Elizabeth Monteiro, autora do livro Criando Filhos em Tempos Difíceis (Summus). “Isso fará falta na adolescência, quando os pais perdem autoridade e os filhos se afastam”, completa.
Mas não dá para ser extremista, vamos combinar. Na rotina corrida, às vezes ligar a tela funciona como uma forma de “desligar” um pouco o rebento para, assim, poder cuidar dos afazeres domésticos. “Se o pai for lavar a louça, não vejo mal em deixar o bebê assistir a um programa educativo por alguns minutos”, diz Jenny.
Uma saída para driblar os excessos é estabelecer períodos offline diários para toda a família. Entre os mais velhos, a preocupação vai além: a internet. “O perigo é a exposição a conteúdos inadequados e o bullying virtual”, ressalta Liubiana. Já o vício nas redes sociais, território que deveria ser evitado até os 13 anos, pode ser nocivo por fomentar ansiedade e baixa autoestima.
Qual seria, então, a hora certa para dar um dispositivo eletrônico à criança? “Nunca antes dos 12 anos”, declara Telma. Até essa idade, a dica é deixar o pequeno emprestar o aparelho de algum adulto. “Esse comportamento ajuda a transmitir a mensagem de que o controle segue na mão dos pais”, justifica a psicopedagoga da USP.
Também não adianta encarar a tecnologia como vilã. Até porque, em muitos casos, ela é uma baita mão na roda. Tanto é que as diretrizes citadas no início da reportagem dizem respeito apenas ao uso enquanto entretenimento puro e passivo. “Tudo aquilo que os pais fizerem com os filhos, como usar a videoconferência, tirar fotos ou jogar, não conta”, diferencia Jenny. O conselho é dar a mão ao rebento sempre. No mundo real e no digital.
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